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Egressa da Uergs fala sobre descoberta de nova espécie de vírus gigante no Guaíba

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Jovem sorridente, com cabelos longos e escuros, usando óculos de grau, está sentada no chão e segura uma impressão com a imagem do vírus gigante. À sua frente e no chão, outras impressões. Ao seu redor, móveis em um laboratório.
Raíssa Nunes é egressa de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da Uergs. - Foto: Ufrgs

Uma egressa do curso de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, da Uergs em Novo Hamburgo, faz parte de um grupo de pesquisa que descobriu uma nova espécie de vírus gigante em amostras de mexilhões dourados do lago Guaíba, em Porto Alegre. Raíssa Nunes está fazendo seu doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola e do Ambiente da Ufrgs e a descoberta faz parte da sua pesquisa de mestrado, tendo sido publicada também na Scientific Reports, revista do grupo Nature.

O Golden marseillevirus, o primeiro de uma nova linhagem da família dos marseillevírus, foi identificado a partir do isolamento do agente e do sequenciamento de seu genoma. Com 200 nanômetros de diâmetro, ele não é tão grande quanto outros vírus gigantes já descobertos (o Pithovírus, por exemplo, chega a 1.500 nanômetros). Seu genoma conta com 360 mil pares de base, e foram anotados 536 genes (para efeito de comparação, o HIV mede 120 nanômetros e tem somente nove genes). O genoma completo está disponível no GenBank. Assim como os outros marseillevírus, o Golden não oferece riscos à saúde humana – apesar de já terem sido encontrados exemplares de marseillevírus em sangue de doadores assintomáticos, eles não são capazes de se multiplicar em nossas células.

Processo de descoberta

Raíssa conta que as pesquisas se iniciaram com a busca de mimivírus, outra família de vírus gigantes. Os mexilhões dourados – espécie invasora originária da Ásia por meio da água de lastro de navios – foram escolhidos devido à sua capacidade de filtragem. Como outros moluscos bivalves, esses animais filtram uma grande quantidade de água para a ingestão de nutrientes e, nesse processo, algumas substâncias ficam retidas em seu interior: é o que acontece com os vírus gigantes.

A água retirada do interior dos mexilhões, devidamente tratada para evitar contaminação bacteriana, foi aplicada em amebas. Essa etapa é necessária porque os vírus não têm metabolismo próprio e, necessariamente, precisam de uma célula hospedeira para se multiplicar. No caso dos marseillevírus, o processo de multiplicação só ocorre no interior de amebas. “A gente cultiva a ameba em laboratório, in vitro, e inocula as amostras, ou seja, coloca essas amebas em contato com os mexilhões. E aí vai observando no microscópio”, explica a pesquisadora.  Nesse processo, as amebas mudam sua conformação – originalmente disformes, elas começam a ficar mais arredondadas com a multiplicação dos vírus em seu interior. “Essa foi a primeira coisa que a gente viu, o primeiro indício de que tinha algum vírus naquela amostra, mas a gente ainda não sabia o que era”, comenta.

Com a microscopia eletrônica, os pesquisadores puderam confirmar que, de fato, estavam lidando com um vírus, devido ao formato de icosaedro típico das partículas virais. Nesse momento, também foi possível observar o tamanho da partícula, que apontava para a probabilidade de ser um agente da família dos marseillevírus. Foi somente com a extração do DNA e com o sequenciamento do genoma, entretanto, que veio a confirmação de que os cientistas estavam trabalhando com um vírus até então desconhecido. Essa etapa durou cerca de um ano.

“Nós identificamos que é um marseillevírus bem diferente de todos os outros da família. A gente fez várias filogenias para comparar os genomas. Ele se enquadra na família, mas a diferença é muito grande. Mais da metade do genoma dele nós não sabemos a função. Só conseguimos delimitar inícios e fins de proteínas, mas muitas delas são completamente desconhecidas”, relata Raíssa. Essa variação, que o levou a ser o pioneiro da quinta linhagem da família, pode se explicar por diversos motivos, como a distribuição geográfica e o contato com outros organismos.

Além dos pesquisadores vinculados ao Laboratório de Virologia, também participaram do estudo cientistas do Departamento de Ecologia e do Laboratório de Parasitologia da UFRGS, da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UNB).

 Vírus gigantes

Os primeiros vírus gigantes foram encontrados em 1992 na Inglaterra, em decorrência de um surto de pneumonia que acometia um hospital. No entanto, a espécie era tão grande que, em um primeiro momento, foi confundida com uma bactéria pelos cientistas. Foi somente em 2003 que pesquisadores identificaram que o agente se tratava, na verdade, de um vírus que originou, então, a família dos mimivírus. A partir daí, houve um boom nas pesquisas com vírus gigantes, e várias novas espécies foram encontradas por cientistas de diversas partes do mundo.

Em 2007, foi descrito o primeiro marseillevírus, encontrado na água de uma torre de resfriamento próxima a Paris, e, em 2010, o Megavirus chilensis foi recuperado de uma amostra de água do mar da costa chilena. Em 2013, o pandoravírus, o vírus com maior genoma descoberto até agora, que pode chegar a 2,5 milhões de pares de base, foi descoberto no Chile e em um lago de jardim na Austrália. No ano seguinte, cientistas encontraram, congelados sob o solo da Sibéria, o Pithovirus sibericum e o Mollivirus sibericum, dois espécimes com mais de 30 mil anos de idade. No Brasil, o primeiro vírus gigante foi identificado em 2014 – o Samba vírus, da família dos mimivírus, foi detectado na Amazônia por pesquisadores da UFMG.  No início deste ano, foi divulgada também a identificação do Brazilian marseillevirus na Lagoa da Pampulha, em Minas Gerais.

Segundo Raíssa, a descoberta dos vírus gigantes, com seus extensos genomas e tamanho comparável ao de pequenas bactérias, revolucionou a comunidade científica. “Um dos dogmas era de que o vírus era um organismo filtrável. Conseguia-se reter bactérias, mas o vírus passava pelo filtro, porque era muito pequeno. Já os vírus gigantes ficam retidos como as bactérias. Esse é um dos principais motivos para não se ter conseguido estudar antes esse vírus gigantes. Os protocolos para vírus determinavam que se trabalhasse com o que passou no filtro e não com o que ficou retido”, explica.

Além disso, cientistas apontam que os vírus gigantes estão no limite entre os vírus e a vida celular. Há quem proponha, inclusive, que possam caracterizar um quarto domínio da vida, comparável aos outros três: Eubacteria, que reúne as bactérias; Archaea, que inclui os procariontes não enquadrados na classificação anterior; e Eukaria, que abrange os eucariontes, seres vivos com núcleo celular organizado.

“Como o genoma deles é muito grande, eles carregam várias proteínas que são parecidas com outros organismos. São proteínas que não existem nos vírus normais, mas com homologia a proteínas encontradas em bactérias”, destaca Raíssa.  Conforme aponta a pesquisadora, a descoberta dos vírus gigantes traz novos aportes aos estudos evolucionistas e provocam questões relacionadas à própria origem da vida.

 Fonte: Ufrgs

Artigo científico

SANTOS, Raíssa Nunes dos et al. A new marseillevirus isolated in Southern Brazil from Limnoperna fortunei. Scientific Reports, v. 6, 14 out. 2016.

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