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Curador da Bienal do Mercosul e professor da Uergs fala sobre os desafios do evento em meio à pandemia

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Em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus, a 12ª Bienal do Mercosul é realizada em plataformas virtuais.

Atualizada em 1/06/2020 - 22h36

Em 2020, a Bienal do Mercosul chega à sua 12ª edição, com o tema “Femininos, Visualidades, Ações e Afetos”. Este ano, o Programa Educativo da Bienal 12 tem a curadoria do professor Igor Simões, do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Uergs em Montenegro. Com os museus fechados devido à pandemia da Covid-19, e faltando pouco menos de um mês para a abertura da nova edição do festival, a organização deparou-se com o desafio de migrar para as plataformas virtuais um evento tão marcado pela interação e pela troca entre seus agentes e o público que visita seus espaços. 

Desde o ano passado, a organização do evento vinha promovendo encontros que buscavam aproximar a população da temática proposta pela Bienal. Simões comenta que o cenário atual faz pensar não apenas nas mudanças de hábitos cotidianos, mas também na forma como as pessoas compreendem o mundo em que vivem. Então, de acordo com o curador, os esforços de levar o festival para o virtual se concentrou não apenas em adaptá-lo para a nova plataforma, mas sim em repensar a Bienal para o contexto do online.

Igor explica que um dos papéis do educativo, dentro do evento, é pensar meios de trabalhar com as dúvidas do público em relação às obras expostas e sobre como esse público se relaciona com o que está vendo.

O site da Bienal 12 online conta com conteúdos relacionados à maior parte das artistas que integrariam a mostra presencial. É um acervo que contém, além  das obras das artistas, informações sobre suas trajetórias e seus trabalhos. O portal também disponibiliza conteúdos educativos voltados a professores e estudantes. Outra novidade da edição virtual é uma série de lives com artistas, curadores e educadores, que debatem o momento atual e o novo formato da mostra.

A curadoria geral da Bienal 12 é da escritora, pesquisadora, e professora da Universidade de Buenos Aires Andrea Giunta. Além de Andrea e de Igor, a curadoria conta ainda com a polonesa Dorota Biczel e com a paulista radicada em Nova York Fabiana Lopes como curadoras assistentes.

Conversamos com o curador sobre como foi o processo de construção do Projeto Educativo da Bienal e sobre os desafios que se apresentam no atual cenário de pandemia. Confira agora os principais trechos da entrevista.

 

Fale um pouco sobre a sua atuação na organização da Bienal, fazendo um recorte desse período antes da pandemia, sendo responsável pelo Programa Educativo do evento.

O lugar do educativo é pensar a exposição para além da exposição.  A gente [do educativo] parte do pensamento que origina a exposição, mas também ocupa esse lugar de atentar para o olhar de quem compara esses trabalhos, de quem questiona esses trabalhos, de quem tem um universo de perguntas constantes para esse trabalho. Essa é a função do educativo, criar dúvidas  constantes, e mover as dúvidas do público  em relação aquilo que é proposto em uma mostra, em uma exposição. Desde o ano passado, realizamos uma série de ações que buscavam aproximar o público dos diferentes debates que a Bienal traz.

Então, essa ideia de visualidade, de ação, de afeto,  foi colocada em movimento, primeiramente, a partir de um projeto, que nos é muito caro, chamado Território Kehinde. Kehinde é a protagonista de um romance chamado “Um defeito de cor”, escrito pela Ana Maria Gonçalves. Ele trata da trajetória de uma mulher negra, cruzando com a história da colonização e da escravidão no Brasil. A figura dessa personagem foi o motivo para uma série de encontros que reuniram mulheres - principalmente pesquisadoras, professoras e artistas -, que discutiram ao longo de 2019, em encontros que aconteceram em Porto Alegre, em Pelotas, em Caxias do Sul, temas que se aproximam daquilo que a Bienal trata.

 

E como foi, faltando menos de um mês para o início da Bienal, pensar a dinâmica atual de trazer as obras para as plataformas virtuais? 

É um momento em que a sensibilidade do mundo está em completa mudança, para rumos que a gente não sabe quais serão. É um movimento que aconteceu com diferentes instituições ligadas à Arte, em diferentes lugares do mundo, começar a pensar mais profundamente quais são as particularidades de migrar para as plataformas online.

O educativo está presente no site,  com matérias de proposições para os professores, os alunos, estudantes, o público em geral, para pensar temas que são muito caros a mostra. São 12 proposições que têm entrado nas redes sociais.  O site é um ponto de partida, mas ele não é o único. Nós temos marcado uma presença nas redes sociais, e estamos começando agora uma série de ações que se voltam para as plataformas online.

Nós estamos iniciando, nas próximas semanas, um laboratório de construção dos materiais educativos. Vamos ter um laboratórios com reuniões com professores que acessarão salas virtuais,  para debates e discussões com artistas da Bienal. Os desafios são enormes. Eu acho que todos estamos ainda aprendendo quais são as formas com que esse trabalho acontece, estamos aprendendo lentamente e tentando fazer o melhor possível para esse momento em que todas as certezas desaparecem. 

 

Fala-se muito sobre um “outro normal” pós pandemia. Então, como tu acreditas que esse cenário pode impactar a produção artística a partir de agora?

Eu tenho tendido a pensar  que não se trata de buscar um novo normal,  se trata de questionar principalmente aquilo que nós vínhamos tomando como normal, e que em parte é responsável por nos levar a este estado de coisas.  Eu acho que é preciso entender que a própria noção de mundo está em suspenso. Estando a noção de mundo em suspenso, está também a noção de arte.

É preciso que a gente se questione quem pode, quem está acessando e quem tem visibilidade quando a gente pensa nessa existência online das instituições artísticas e das mostras. Que formas vão emergir daí, e principalmente estarmos atentos e atentas para os tipos de exclusões que podem vir dessa crença de que o acesso a internet é universal. Não existe universal. Da mesma maneira que o universal não existe, não existe um acesso universal das pessoas que integrariam essa ideia que a gente costuma usar. Não existe um mundo da arte, existem muitos mundos da arte.E o modo como essas diferentes formas de existência no campo artístico, tanto dos sujeitos quanto quanto das instituições, vai acontecer daqui para frente, ainda está aberto e em franca negociação.

 

Aproveitando que tu falas sobre a não existência de um universal, como vocês têm pensando, e como essas discussões têm surgido para pessoas que não têm acesso à plataformas digitais? 

Eu acho que essa é uma pergunta que todos nós estamos nos fazendo, seja na universidade, seja na Bienal. E ela não tem uma resposta. Estamos todos nos perguntando, e tentando estar mais atentos às diferenças que já existiam e que  agora se acentua. Quem pode acessar  a arte? Mas essas exclusões, elas não são recentes. A gente se perguntava quem pode estar no museu e quem não pode.  A pergunta agora é quem pode acessar a arte disponibilizada online e quem não pode. Eu não tenho uma resposta, o que eu tenho é a necessidade de estar atento para que esse estado de coisas não aprofundem as enormes desigualdades que a nossa sociedade produz em relação ao que pode e o que não pode os nossos indivíduos.

 

Como tu avalias o envolvimento da Uergs na organização de um evento na proporção que é a Bienal?

Eu acho que uma das marcas [da Uergs], e aí eu sou suspeito para falar, é a manutenção de quatro curso de artes em formato de licenciatura, envolvendo um público de diferentes origens geográficas, sociais, que vêm buscar na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul aprofundar e desenvolver saberes sobre Arte. Nesse sentido, acho importante que uma Universidade tão marcadamente associada ao desenvolvimento regional pense a participação naquela que é uma das principais mostras do país, que acontece em Porto Alegre, e que tem um olhar atento para as particularidades de todo país, mas principalmente da América Latina. Me parece que a Universidade se aproximar dessa instituição, de estarem juntas como instituições, é uma forma de responder não só às demandas da sociedade gaúcha, como também a produção de saberes sobre a arte ao Sul do mundo.

 

E para finalizar, falando de maneira mais individual, como tem sido para ti essa experiência de estar na organização da Bienal?

Particularmente tem sido um momento de profundo aprendizado, de diferentes ordens. Eu tenho que destacar aqui a parceria de trabalho que eu pude fazer com a Andrea Giunta e com o time de curadores, que com suas trajetórias fez eu olhar para o meu trabalho docente, fez eu olhar para o meu trabalho enquanto pesquisador.

Estar dentro de uma instituição, pensar em uma mostra deste alcance, isso tudo tem produzido alguns saberes, mas principalmente tem exposto muitas dúvidas, e me ajudado a questionar constantemente o meu trabalho como professor, o meu trabalho como curador, e o meu trabalho como agente das artes visuais no Brasil, principalmente tratando das questões que eu trabalho na pesquisa, que é a visibilidade dos sujeitos negros nas artes visuais. Poder pensar a partir da perspectiva de um professor de história da arte, negro e gay, e que questiona aquilo que a gente chama de Arte, e os lugares das pessoas como eu dentro desse mundo.

Repórter: Émerson Santos

Edição: Daiane Madruga

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