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Dezembro Vermelho: o papel da universidade pública no combate à Aids

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O laço vermelho, símbolo do combate ao HIV/Aids, foi criado em 1991 pelo grupo Visual Aids
O laço vermelho, símbolo do combate ao HIV/Aids, foi criado em 1991 pelo grupo Visual Aids

Dezembro é o mês voltado para a discussão sobre o combate à Aids. Conversamos com a professora Vania Mello, que relembra que a Universidade deve estar aberta para discussões e reflexões sobre o assunto.

 Em 1996, o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei 9.313, que garantiu aos portadores do HIV e aos doentes de Aids a distribuição gratuita de medicamentos necessários ao tratamento. No mesmo ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, o Unaids, que tem o objetivo de reduzir ao máximo a infecção, a discriminação e as mortes provocadas pelo HIV/Aids.

 As duas iniciativas marcam a atuação de instituições e movimentos sociais no trabalho de combate à doença, que desde a década de 1980, quando os primeiros casos começaram a ser registrados, já provocou 35 milhões de mortes.

 Mais de trinta anos depois dos primeiros casos da doença, a realidade é um pouco diferente. Segundo o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em novembro de 2018, no Brasil foi registrada uma queda de 16% no número de casos de detecção do vírus HIV em 2017.  A mortalidade em decorrência da Aids também sofreu uma queda: foram 16,5%, o que representa uma mortalidade de 5,7 mortes por 100 mil habitantes.

 Mas apesar dos avanços, os números ainda são preocupantes. Tomando Porto Alegre como exemplo, segundo o mesmo Boletim, em 2017, a capital gaúcha apresentou uma taxa de 60,8 casos de detecção por 100 mil habitantes. É uma taxa 3,3 vezes maior que a do Brasil. Os números do HIV/Aids na capital gaúcha expressam a necessidade de uma ampla discussão em torno da doença e de ações que fomentem a sua prevenção.

 A realidade em torno dos soropositivos (pessoas que contraíram o HIV) é muitas vezes de silêncio em razão do preconceito em torno da Aids. Na década de 1980 a doença era conhecida por “câncer gay” e, ainda hoje, falar de Aids, de prevenção e de sexualidade ainda é um tabu. Nesse cenário de avanços, mas também marcado pela necessidade de discutir abertamente o que é e como prevenir o HIV/Aids, a universidade, como espaço responsável para pensar a sociedade e que ajuda a construir políticas para a mesma, se revela uma ferramenta importante na luta por uma saúde pública de qualidade e por reverter uma realidade que muitas vezes é de silêncio, preconceito, falta de informação e conscientização.

 Vania Mello, professora do Curso de Administração em Sistemas e Serviços de Saúde da Uergs conversou com a Ascom Uergs e falou sobre a importância de se discutir e prevenir o HIV e os desafios da saúde pública nos próximos anos.

O que a Uergs, como universidade pública, pode fazer para colaborar no combate à AIDS?

Entendo que a Uergs enquanto uma universidade pública pode colaborar no combate à AIDS na medida em que estimula projetos de pesquisa e de extensão que dialoguem com o tema do HIV/Aids e da prevenção. Também entendo que o papel da Universidade é produzir conhecimento que possa nos ajudar no combate ao estigma e à todas as formas de preconceito que estejam relacionadas à questão do HIV. Conversar sobre as questões relativas ao HIV na sua comunidade acadêmica, envolvendo alunos, professores e funcionários é uma forma interessante da gente combater o HIV/Aids, combater os preconceitos e os estigmas. Esse é um papel importante da Universidade: falar mais sobre isso e criar espaços de diálogo para que as dúvidas possam surgir, para que a gente possa juntos, através de exercícios e de um fazer acadêmico que passa pelo ensino, pesquisa e extensão, entender e pensar estratégias de como lidar com as questões que envolvem esse tema.

Num cenário de índices elevados de detecção de HIV (mesmo que haja uma queda nos números) e do ressurgimento de doenças já erradicadas (como sarampo e poliomielite) qual é a importância de um curso como o de Administração em Sistemas e Serviços de Saúde?

Eu entendo que nesse momento que a gente vive, bastante delicado, de diversos retrocessos – inclusive um deles é no campo da saúde –, de ressurgimento de algumas doenças que já tínhamos como erradicadas, a importância da formação de alunos de um curso como o Curso de Administração de Sistemas e Serviços de Saúde aumenta, porque a ideia é justamente a gente pensar formação de administradores, mas mais que administradores, a formação de gestores que compreendam, que estejam sensibilizados e amparados do ponto de vista da sua formação, nas premissas e nas diretrizes do que o Sistema Único de Saúde nos coloca como desafios. Então nesse cenário, a formação de administradores com foco nos sistemas e serviços de saúde passa a ser bem importante para que esses novos gestores tenham mais competência, mais habilidade para compreender os processos de uma política pública de saúde e nesse sentido poder pensar como enfrentar os desafios que estão colocados – e que não são poucos – em relação à política pública de saúde brasileira. Esses desafios passam pelo subfinanciamento, que é uma das questões importantíssimas, e que desde a criação do SUS é uma constante que passa por pensar um outro modelo de cuidado em saúde. Então [é necessário] um gestor que possa de fato ter qualificação, ter uma formação consistente para fazer frente a esses inúmeros desafios que o SUS nos coloca.

A Aids ainda carrega uma carga muito forte de preconceito. O que a academia pode fazer para que preconceitos e estereótipos deixem de ser disseminados?

É preciso a academia estar aberta ao diálogo, estar aberta para a reflexão com relação a isso e estar aberta para, junto com a comunidade acadêmica, pensar como é que a gente lida com esses preconceitos, com esses estereótipos dentro da própria Universidade. Então eu acho que a Universidade, a academia, tem um papel importante de pensar estratégias de dialogar sobre isso. Poder construir esses espaços de fala é uma forma importante de ressignificar esse assunto e de desconstruir um conjunto de preconceitos que estão ligados a ele.

Ultimamente tem se questionado muito a eficiência do SUS e se discutido o seu futuro. Qual o impacto de uma eventual precarização da saúde pública na vida das pessoas soropositivas?

O nosso contexto atual é extremamente preocupante, tendo em vista a questão da Emenda Constitucional n° 95 que congelou por vinte anos os gastos em educação, em saúde. Isso afeta diretamente a vida de pessoas soropositivas. É preocupante porque hoje o SUS é o responsável por bancar 100% o tratamento das pessoas vivendo com HIV. Então a diminuição dos investimentos, a diminuição dos gastos com saúde afeta diretamente a vida das pessoas soropositivas. Principalmente com relação à manutenção do fornecimento de toda a medicação (hoje o SUS é responsável por toda a oferta de medicamentos). O SUS é um dos únicos sistemas de saúde do mundo que se responsabiliza 100% com o cuidado em relação ao fornecimento de medicação para essas pessoas. Então isso é extremamente preocupante. A gente fica na torcida para que esses reflexos possam ser contornados em breve porque é uma situação bastante preocupante. 

Texto: Glauber Cruz

Revisão: Daiane Madruga

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